Depoimentos

PARA HUMBERTO GUIMARÃES

escrita perdida achada
na memória antiga
e tecida
em neblina gráfica
envolvendo sinais de mistério
que aparecem, desaparecem
lá longe
perto
mais perto
de perfil
de frente
e enfrentam a cor e a forma
na composição forte
e linguagem poética
da ótima pintura de Humberto Guimarães
concerto de cordas e solo de flauta
descobrindo e tecendo o sensível
que amanhece no ser humano

Amilcar de Castro
18.12.94

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VER, OLHAR, LER

Humberto Guimarães é um destes autores cuja obra explicita seus compromissos. Em jogo está uma afirmação da experiência do olhar, indagação permanente sobre o ato de ver, não arte de resultados com suas respostas sem perguntas. Há algo de, no mínimo, perturbador nestas imagens que há mais de 20 anos ele vem apresentando, com uma regularidade notável, sem afastar-se um milímetro da conflituosa visualidade que revelam.

Foi, e de alguma forma continua sendo, uma ideografia que antes de aclamar “heráldicas”, problematiza os signos que fundam uma história. Em produções recentes tem colocado em destaque a superfície. Essa não é perceptível por si, mas pelos movimentos que estão abaixo (esquecidos?) e acima (descobertos?) desta película, opaca/ invisível. Contraditoriamente, aqui, tudo é concretude e metafísica, indissociáveis.

Para dar corpo a esta matéria que parece querer fugir da matéria, Humberto Guimarães mescla recursos da pintura e do desenho, servindo-se ainda de evocações literárias ou alusões a figuratividade. Sobra refinamento e argúcia nesta estratégia cuja surpresa é a sua capacidade em equalizar e pontuar a luta dos elementos, sem temer os aspectos sedutores ou assombrosos do tornar visível.

Abarca o percurso trilhado por Humberto Guimarães – note-se, está em cena um autor com obra realizada – a dramaticidade do ato de ver, experiência que para ser exercida de forma responsável, presume um vagar, um divagar, lento e amoroso, sobre a matéria do mundo e a matéria da arte, ambas fábulas sobre as fronteiras do humano.

Walter Sebastião, 1994

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Como o poeta pernambucano, Humberto Guimarães abre o coração e expõe seus rios, seus pássaros, seu canto simples como roupa no varal. Mineiramente, opera o milagre: nos doa a infância em aquarela, lápis e nanquim.

Inseto, nuvem, asa, morro, n´mero, céu. O capim, a venda, o barco, a gente, o sol. É a ternura brotando dos pncéis, de Sabará, da vida toda.

Um grito de menino em nosso caos urbano.

Mário Zavagli, 1980

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De onde surgiram essas formas, essas folhas, essas figuras parcialmente reveladas, tão dotadas de presença e, ao mesmo tempo tão irremediavelmente fugazes?
Que tempo é esse, apreendido pelo artista, que sendo diminuto, é tão vasto, tão carregado de sentido e tão imponderável que não sabemos definí-lo?
São sonhos, são mistérios, são vozes apena murmuradas.
(Minas é tão misteriosa…)
Há uma dose de ingenuidade nesses desenhos, que ao menos avisados poderá passar por infantil, mas que é antes uma velada ironia, uma sutil e aguçada percepção das coisas e dos seres, como a lembrar-nos as “coisas simples pelas quais os homens morrem…”
O desenho de Humberto é acima de tudo, modo de ser e não meio. Queremos com isso, significar que ele não é desses artistas que usam o desenho, dando-lhe entonação retórica e virtuosística. Não. Seu trabalho é despojado, puro, essencial. A técnica, embora segura e requintada, quase não aparece e nem se faz notar. O artista exprime aquilo que é mais seu: inquietação, perplexidade e humor. O que desenha, ele não poderia, não saberia falar. Nisso reside seu valor, sua razão e compromisso.
Humberto Guimarães não desenha apenas; ele recria o desenho, descobre-o e revela, num linguagem singularíssima, a sua íntima paisagem, onde penetramos com misto de curiosidade e encantamento.

Affonso Renault, 1982

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A aventura intelectual do desenho

Dá gosto de ver as formulações que Humberto Guimarães traz aos seus desenhos, a forma como ele dribla o impasse, o óbvio, os falsos dilema, recuperando para esta linguagem o que ele tem de essencial: um misto de aventura intelectual e depoimento íntimo. A referência é a vida (transformada em projeto gráfico) e suas formas mais sutis, não o mundo da arte nos seus grandes códigos. Em Humberto Guimarães a sugestão da infância (na sua mescla) de fascínio e terror) é tratada como portal de entrada para regiões onde habitam o segredo e personagens (ou um narrador), de acentuada timidez, que só aparecem no palco como brilho fugaz, num piscar de olhos, em meio à trama de traços que existe como paisagem (de signos). No teatro de suas caixinhas, a saturação ou rarefação do “enredo” é o motor para fantasias impossíveis de serem narradas com palavras (a experiência da iluminação?). É a dimensão do sonho, no seu movimento pendular entre a lembrança e o esquecimento, que ocupa o papel. É preciso ter olhos, ouvir suas histórias (“ou vê-las” como diz um “verso” de Décio Pignatari). Trata-se de prosa que apaga as prosas para se transformar em poesia; escritas que rasuram as escritas para resgatar o sentido; um “nada que é tudo” (ou quase tudo) no seu silencioso respeito pelo excesso ou pelo vazio.

Walter Sebastião, 1990